Lambari-cego que habita o lençol freático em Jaíba (MG) possui diversas adaptações para a vida subterrânea. Mas ninguém avistou o peixinho desde 2013. Estaria extinto?
por Pedro Luna
No interior das cavernas brasileiras, isolados do mundo exterior há dezenas de milhares, centenas de milhares de anos, voam, nadam, andam e rastejam formas de vida únicas, altamente especializadas e insubstituíveis. Uma espécie fascinante é o lambari-cego de Jaíba (MG), um peixinho despigmentado que atende pelo impronunciável nome científico de Stygichthys typhlops, que quer dizer, em grego, “peixe subterrâneo de olhos cegos”.
“S. typhlops é o único lambari-cego da América do Sul. Desde a sua descrição, há 60 anos, nunca mais se descobriu nenhum outro membro cego da família dos caracídeos em nosso continente. No México, que fica na América Central, há vários exemplos de caracídeos cavernícolas cegos. Mas, na América do Sul, o lambarizinho de Jaíba é precioso e único”, explica a bióloga Maria Elina Bichuette, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Lina, como todas a chamam, devotou sua vida ao estudo dos ecossistemas subterrâneos.
“Eu tenho esperança que este peixe não esteja extinto”, confessa Lina.
HISTÓRIA DO PEIXINHO
O temor de Lina é plenamente justificado, pois o peixinho, presente na lista dos animais brasileiros em risco de extinção desde 2014, não é avistado desde 2013. Curiosamente, o lambari-cego não habita nenhuma caverna aberta para o exterior. Ele vive diretamente no lençol freático do córrego Escuro, um pequeno afluente de uns 15 quilômetros do rio Verde Grande, na região do alto rio São Francisco, no norte de Minas Gerais, próximo à Bahia.
O lambari-cego, que os jaibenses conhecem como piaba-branca, atinge até 4,6 centímetros de comprimento. A espécie foi descrita em 1962 com base num único espécime coletado a 30 metros de profundidade durante a escavação de um poço..
A segunda vez que os cientistas puderam botar os olhos no peixinho foi em 2004, em duas expedições de ictiólogos do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Os pesquisadores envolvidos, entre eles Lina Bichuette, precisaram recorrer a cordas e escadas para descer em dois poços da região de Jaíba e coletar 34 espécimes.
Na terceira expedição para coletar espécimes, em 2013, Lina e colegas capturaram sete peixinhos. Nesta oportunidade, os pesquisadores puderam verificar uma dieta mais variada. Em seus estômagos foram encontradas larvas de besouros aquáticos, além de restos de Hemiptera (ordem de insetos das cigarras e percevejos), de cupins e de artrópodes.
Dez anos depois, Lina e colegas publicaram uma análise do genoma do peixinho. Os pesquisadores encontraram 35 especializações desenvolvidas pelo lambari-cego para a vida nas cavernas, entre características morfológicas, capacidades sensoriais e comportamentais. “É um dos peixes mais especializados do mundo, e o peixe mais especializado do Brasil”, afirma Lina.
BANANAL INTENSIVO
Desde 2013, nenhum outro espécime do lambari-cego de Jaíba foi visto. Teria o peixinho cruzado o destino que separa as espécies viventes daquelas extintas?
A espécie do lambari-cego é reconhecida oficialmente desde 2014 como ameaçada de extinção. Segundo a população de Jaíba, o peixe era relativamente comum até o final dos anos 1980. Ele costumava ser avistado em fontes que desde então secaram, ou quando alguém resolvia cavar uma cacimba, que é como chamam naquela região os pequenos poços d’água para abastecer a população, sua lavoura e gado.
Mas os avistamentos do lambari-cego começaram a rarear nos anos 1990, a partir do momento em que o lençol freático passou a ser alvo de extração da água para o cultivo de banana em larga escala. Lençol freático é a camada superior das águas subterrâneas que se encontra geralmente em pequena profundidade. Os lençóis freáticos são abastecidos pelas águas das chuvas, de onde se extrai boa parte da água para consumo humano.
Em Jaíba há grandes projetos de produção de bananas para exportação. Com a extração excessiva da água para irrigação, ao longo dos anos o lençol freático foi rebaixando, resultando na secagem de poços e nascentes, o que efetivamente impediu o peixinho-cego de surgir nas cacimbas.
Será que ainda há tempo para salvar o lambari-cego de MG?
SAIBA MAIS!
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Referências:
Moreira CR et al. 2010. Rediscovery and redescription of the unusual subterranean characiform Stygichthys typhlops, with notes on its life history. Journal of Fish Biology 76(7): 1815-1824.
Simões et al. 2013. Notes on feeding and reproduction of the threatened phreatic fish Stygichthys typhlops Brittan & Böhlke, 1965 (Characiformes: Characidae) from eastern Brazil. Speleobiology Notes 5:1-8
Arcila D et al. 2023. Transcriptomic analysis of the Brazilian blind characid, Stygichthys typhlops, reveals convergent selection with Astyanax mexicanus and other cavefishes. Frontiers of Ecology and Evolution 11:1076756.