Conheça o uacari-dos-kanamaris, o primata que vive na Amazônia Ocidental e que foi descoberto em 2022
por Pedro Luna
O Brasil é o país que possui a maior diversidade de primatas no planeta! Temos cerca de 70% de todos os primatas da Região Neotropical (Américas) e quase 22% de todos os táxons de primatas do mundo.
Sabendo disso tudo, é maravilhoso descobrir que, apesar da devastação desenfreada no Pantanal, no Cerrado e na Amazônia, em 2022 foram descritas duas novas espécies de primatas brasileiros, o uacari-dos-kanamaris (Cacajao amuna) e sagui-dos-kulinas (Saguinus kulina).
Ambas as espécies vivem no Oeste da Amazônia, a região mais preservada da Amazônia. Ambas foram igualmente descritas por pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, uma importante instituição que vem se mostrando central no esforço para conhecer (e preservar) a biodiversidade amazônica.

UAKARI-DOS-KANAMARIS
Há dois grupos de uacaris, os primatas do gênero Cacajao. Os uacaris-pretos vivem na margem norte da bacia do rio Negro, na região de fronteira entre o Brasil e a Colômbia. Já os uacaris-calvos habitam o Oeste da Amazônia, entre Brasil e Peru.
Os uacaris são primatas que vivem em florestas alagáveis conhecidas como várzeas e igapós, que inundam durante o verão amazônico, o período chuvoso. “São os únicos primatas das Américas encontrados principalmente nas áreas de florestas alagadas”, diz o primatólogo Felipe Ennes Silva, pesquisador colaborador do Instituto Mamirauá, em Tefé, no Amazonas
O que caracteriza o grupo dos uacaris-calvos é o fato de possuírem a cara vermelha e serem carecas. Na natureza, um uacari-calvo pode viver entre 15 e 20 anos (em cativeiro, pode chegar aos 30). Eles vivem em bandos de 30 até 100 indivíduos. Têm entre 40 e 50 cm, e pesam de 3 a 3,5 quilos. Têm também a cauda proporcionalmente mais curta de todos os primatas sul-americanos, em média 15 cm. Para colocar isso em perspectiva, a cauda de um macaco-aranha, de tamanho semelhante, chega até 80 cm de comprimento.
Já eram conhecidas quatro espécies de uacaris-calvos (veja o mapa). Em 2022, foi descrita a quinta: o uacari-dos-kanamaris, ou Cacajao amuna.
A principal característica de C. amuna é sua pelagem, branquinha. A espécie habita as várzeas da margem direita do rio Tarauacá, que nasce no Acre e corre no Amazonas até desaguar no rio Juruá. A região é habitada pelo povo indígena Kanamari. Daí o nome amuna, que quer dizer uacari na língua Kanamari.
O zoólogo Felipe Ennes Silva é o principal autor do artigo que descreve a nova espécie, publicado na revista Molecular Phylogenetics and Evolution. Pelo fato terem a pelagem toda branca, Felipe já suspeitava que aqueles uacaris da margem direita do rio Juruá poderiam pertencer a uma espécie distinta dos animais da margem esquerda, os uacaris-de-Novaes (Cacajao novaesi). “O amuna tem a pelagem mais branca e homogênea. Além disso, não apresenta a pelagem de coloração alaranjada na região peitoral, como em seus parentes”.

RELÓGIO MOLECULAR
O trabalho de descrição envolveu uma série de expedições de campo entre 2013 e 2018 ao rio Tarauacá, que dista 750 km em linha reta de Tefé. Felipe também visitou coleções em museus no Brasil, Europa e Estados Unidos, para poder analisar o padrão de coloração de pelagem dos demais uacaris-calvos.
Mas foram as evidências provenientes da análise genômica que se mostraram decisivas para Felipe nomear a nova espécie. Ao comparar o DNA dos uacaris-calvos, Felipe pôde estabelecer quando foi que as espécies de uacaris divergiram umas das outras. Descobriu que elas são todas recentíssimas.
“De acordo com o relógio molecular, o ancestral comum de todas as cinco espécies de uacaris-calvos viveu há apenas meio milhão de anos”, diz Felipe. Do ponto de vista evolutivo, isso foi ontem. Já o ancestral comum tanto dos uacaris pretos quanto dos calvos viveu apenas há um milhão de anos, ou seja, anteontem.
Os parentes mais próximos de todos os uacaris (pretos e calvos) são os cuxiús (gênero Chiropotes), que habitam as matas do Leste da Amazônia, mais de mil quilômetros a oeste. Segundo Felipe, a divergência entre os ancestrais comuns de cuxiús e uacaris ocorreu há 5 milhões de anos.
SAIBA MAIS!
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REFERÊNCIA:
Felipe Ennes SIlva et al. 2022. Molecular phylogeny and systematics of bald uakaris, genus Cacajao Lesson, 1840 (Primates: Pitheciidae), with the description of a new species. Molecular Phylogenetics and Evolution 173:107509.
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