Peixinho amazônico tem fama terrível e uma família numerosa. Ictiólogos descobrem 9 novas espécies de candirus. Todas são “vampirinhas” que se alimentam de sangue
por Pedro Luna
O peixe candiru (Vandellia cirrhosa), conhecido popularmente como “peixe-vampiro”, é uma criatura envolta em lendas e controvérsias. Originário da bacia amazônica, esse peixinho com 3 e 5 centímetros de comprimento captura há séculos a imaginação das pessoas que vivem na Amazônia, devido a sua suposta tendência a parasitar humanos.
As histórias relacionadas ao candiru são inúmeras. A primeira menção escrita conhecida é a do naturalista prussiano Carl Friedrich Philipp von Martius, que explorou o Brasil entre 1817 e 1820. Em seu livro Viagem pelo Brasil (1831), Von Martius refere-se a um evento ocorrido no Pará:
“Não raras vezes ouvimos no Pará sobre os perigos que cercam os que se banham no rio devido a um peixinho chamado candiru. As coisas ditas sobre ele soam tão incomuns que fico realmente temeroso de relatá-las aqui. (…), o candiru dos aborígenes (sic), é um peixinho do comprimento e espessura de um dedo (…) que tem o hábito de entrar com grande impetuosidade e rapidez nas aberturas externas do corpo humano. Assim, causa um acidente muito doloroso e perigoso, pois estica suas nadadeiras e só pode ser retirado com grande dificuldade. O odor das excreções do homem parece atrair os peixinhos, e os índios, portanto, aconselham que, durante o banho, nenhuma dessas excreções seja eliminada e que esse órgão específico seja coberto com cuidado.”
FAMÍLIA NUMEROSA
A espécie Vandellia cirrhosa acabou descrita em 1846. Mas foi só agora em 2023, 180 anos depois, que se descobriu que o candiru, na verdade, são os candirus. Além da V. cirrhosa, foram descritas outras nove espécies de peixes-vampiro. A descoberta foi publicada na revista Papéis Avulsos de Zoologia. Os autores são os ictiólogos (ou estudioso dos peixes) Fernando Dagosta, da Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul, e Mário de Pinna, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP).
Todas as nove novas espécies são hematófagas, ou seja, se alimentam de sangue. Elas pertencem ao gênero Paracanthopoma, que pertence à subfamília Vandelline, a mesma do candiru.
“Estes peixinhos amazônicos são conhecidos por penetrar a uretra. Mas isso é muito raro. Existe apenas um caso documentado em 1997”, explica Mário de Pinna. “De qualquer forma, uma vez que o candiru penetra a uretra, deve ser impossível retirá-lo, pois ele tem uma boca e cabeça cheias de dentes pontiagudos para agarrar o tecido e não soltar”.
O peixinho se aloja nas brânquias (ou guelras) dos peixes e morde uma das artérias do hospedeiro para beber seu sangue. “No caso humano, ele deve se sentir atraído pelo fluxo e cheiro da urina, e daí confundir a uretra com as guelras de um peixe”.
Uma curiosidade: as agora dez espécies conhecidas de candirus são todas, na verdade, bagres, imagine você?
“Mas eles não têm cara de bagre. Eles não têm aqueles bigodes do bagre”, você poderia se perguntar.
“Têm sim” — responderia o professor de Pinna — “Se você olhar de perto, vai ver que todos têm barbilhões”.
Bagre é um nome usado apenas no Brasil. Em todo o mundo, as 2,5 mil espécies (em 33 famílias) da ordem Siluriformes são conhecidas como peixes-gato. Barbilhões são seus “bigodes” sensoriais desse peixe, daí a alusão aos bichanos e seus bigodes (ou vibrissas).
As novas espécies, chamadas carinhosamente de “vampirinhos” pelo outro autor do trabalho, Fernando Dagosta, são peixes de água-doce restritos à América do Sul, habitando a bacia amazônica, as bacias dos rios Orinoco na Venezuela, Magdalena na Colômbia e Essequibo na Guiana, além da bacia conjunta do Paraná e Paraguai.
SAIBA MAIS!
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Referência:
de Pinna MCC, Dagosta F. 2022. A taxonomic review of the vampire catfish genus Paracanthopoma Giltay, 1935 (Siluriformes, Trichomycteridae), with descriptions of nine new species and a revised diagnosis of the genus. Papéis Avulsos de Zoologia 62, e202262072. https://doi.org/10.11606/1807-0205/2022.62.072