As anfisbenas do arquipélago de Fernando de Noronha são fruto de odisseias marítimas e vulcânicas
por Pedro Luna
O arquipélago de Fernando de Noronha é o lar de um pequeno réptil esguio e desprovido de patas que lembra muito uma cobrinha, e que os ilhéus desde sempre chamam de cobra-cega, ou ainda cobra-de-duas-cabeças. As anfisbenas de Ridley (Amphisbaena ridleyi) são de fato répteis, mas não são nem serpentes, nem cegas — nem têm duas cabeças. Sua origem evolutiva é misteriosa, dado que se trata de um animal terrestre que passa a vida enterrado, cavando seus túneis. Como então seus ancestrais fizeram para cruzar os 375 quilômetros de oceano que separa Noronha do Rio Grande do Norte?
Tal enigma acaba de ser elucidado. As anfisbenas ancestrais que colonizaram Noronha muito provavelmente vieram flutuando desde a Foz do rio Amazonas, há cerca de 12 milhões de anos, segundo um artigo publicado na revista Molecular Phylogenetics and Evolution. Os autores são pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi de Belém (PA), do Instituto Butantan, em São Paulo, da Universidade Federal de Alagoas e da Universidade de São Paulo.
A fantástica odisseia da anfisbena de Ridley ao arquipélago de Noronha é um enigma que, para ser solucionado, envolve desafios evolutivos, biogeográficos e históricos. Há mais de 200 espécies de anfisbenas espalhadas pelas Américas, África, Europa e oriente Médio. Em sua maioria elas medem menos de 15 centímetros, e são todas carnívoras. A maior diversidade de anfisbenas encontra-se na América do Sul e no Caribe. No Brasil, até o momento, já foram descritas 72 espécies, tornando o país o berço da maior diversidade de anfisbenas do planeta.
As anfisbenas que colonizaram Noronha vieram flutuando. Isso não é incomum. Há diversos casos de animais achados em alto-mar sobre troncos de árvores ou grandes tufos de vegetação. Presume-se que foi assim que as primeiras anfisbenas aportaram no arquipélago. Mas de onde vieram? E quando?
Há uma corrente marinha no litoral norte do Brasil que corre no sentido oeste-leste, a chamada Contracorrente Equatorial Norte. Ela é caracterizada por sua extrema sazonalidade, tendo a sua dinâmica afetada por fenômenos climáticos como o El Niño. Nas circunstâncias corretas, a Contracorrente Equatorial Norte poderia muito bem ter carregado as anfisbenas desde a foz do Amazonas até Noronha.
Com efeito, este é o cenário mais provável para a origem das anfisbenas de Fernando de Noronha. Há 13,6 milhões de anos, seu ancestral comum vivia na região da foz do Amazonas. De lá partiu uma leva de migrantes, animais carregados para leste pela Contracorrente Equatorial Norte, que foram levados até as praias de Noronha, o que aconteceu após a formação do arquipélago, há 12,4 milhões de anos.
Fernando de Noronha está localizada em um edifício vulcânico que se eleva por 4 mil metros desde o leito oceânico. Este enorme edifício foi formado durante por eventos vulcânicos ocorridos entre 12,3 e 8 milhões de anos atrás.
SAIBA MAIS!
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REFERÊNCIA:
Graboski R et al. 2022. The phylogenetic position of Ridley’s worm lizard reveals the complex biogeographic history of New World insular amphisbaenids. Molecular Phylogenetics and Evolution 173:107518.
Que interessante!